Volta e meia, o problema vem à tona. E a conversa da reforma econômico-administrativa toma conta da preocupação governamental. Vivemos um desses momentos, pela enésima vez. Estados endividados pela irresponsabilidade de governantes afundam financeiramente, gastam mais do que arrecadam, deixam de saldar dívidas, atrasam o pagamento dos servidores e correm a Brasília de pires na mão em busca de ajuda. Recebem-na e voltam à irresponsabilidade. Um filme reprisado à exaustão.

Conheço razoavelmente bem a administração pública. Servi-a durante trinta e cinco anos. Com lealdade, gosto, alguma competência e – pasme, leitor! – honradez. Devo a ela o que sou e o pouco que tenho. Sei de seus caminhos e descaminhos, entrevi os seus desvãos e subterrâneos, comprovei o seu poder e a sua relevância e convivi com grandes homens, assim como com canalhas completos. Por isso, sinto-me em condições de afirmar publicamente: as mazelas, os problemas, as malandragens e os privilégios existentes no serviço público jamais serão curados, resolvidos ou extintos. Simplesmente porque não há interesse dos administradores em curá-los, resolvê-los ou extingui-los.

Não espere, ingênuo eleitor, que os donos do poder de hoje apontem e punam os descaminhos dos de ontem, por mais adversários que sejam. Eles (os descaminhos) sempre poderão ser-lhes úteis também.

Certa vez, integrei uma comissão de assessores do Tribunal de Justiça do Estado destinada a elaborar um novo plano de cargos e carreiras para o pessoal do Judiciário. Eu e meus colegas levamos a tarefa a sério e, com a participação do Sindijus-PR, entidade representativa daquela categoria funcional, fizemos um bom trabalho, modéstia à parte. Em mais de seis meses, foi-se ao cerne da questão. A partir de um minucioso levantamento dos servidores e da análise individual de cada situação, dividimos o pessoal de acordo com o nível de escolaridade, tempo de serviço e modo de acesso à atividade pública. Delineamos, também, a progressão nas diversas carreiras, oferecemos condições para o aperfeiçoamento funcional e procuramos, até mesmo, regulamentar as promoções funcionais. Mas o grande mérito do trabalho foi ter acabado com todos os penduricalhos que se encontravam agregados à folha de pagamento e eram capazes de transformar parcos salários de então duzentos reais em dois ou três mil, sem muita transparência ou consistência.

Foi, repita-se, um trabalho de fôlego. Bom (e atrevido) demais, infelizmente, pois, a par das correções, pretendeu vedar as brechas utilizadas para apadrinhamentos e coisas que tais. Acabou engavetado, é claro. Lembra-se, meu estimado Da Montanha?  Mais tarde, foi substituído por um monstrengo legislativo, que viria a ser unanimemente rejeitado e foi alvo de uma centena de recursos nas Cortes superiores, sem maior consequência, já que “urubu não come urubu”, como reza a sabedoria popular. E tudo continuou como dantes. Isto é, piorou: os penduricalhos foram mantidos (para alguns) e até duplicados.

Acredite, sofrido contribuinte: não há o menor interesse em acabar com os privilégios, os desmandos, a incompetência e, sobretudo, o nepotismo no serviço público. Tudo não passa de jogo de cena, onde não entra a sinceridade. Apenas o cinismo e muita hipocrisia.

Vou repetir o que venho dizendo há quase duas décadas: se os nossos governantes querem (e precisam) reduzir os gastos com o pessoal, por que não escolhem o caminho certo? Por que não começam a dispensar os inúteis apadrinhados, aqueles que ingressaram na atividade pública pela porta dos fundos? Por que não reduzem substancialmente os chamados comissionados, em regra autênticos alienígenas, sem nenhum vínculo, afinidade ou compromisso com a administração pública? Por que não convocam para o trabalho aquele batalhão que cumpre expediente em casa, nas piscinas dos clubes, nos shopping centers ou em outra atividade (privada, claro)? Por que não se enchem de coragem e dão um basta em certas vantagens funcionais – os chamados “auxílios” concedidos a membros da magistratura, do ministério público e de tribunais de contas – que, por serem utilizadas de forma malandra e calhorda, com o rótulo de “verbas indenizatórias”, não são taxadas e não se submetem ao limite salarial constitucional, mas se prestam para desmoralizar ainda mais o serviço público?

Quer dizer: não querem. Só fingem querer. Fica mais fácil jogar a culpa do déficit previdenciário sobre os velhinhos aposentados e as velhinhas pensionistas, punindo-os não apenas com a perversa cobrança da absurda contribuição, no final da vida, quando cada tostão se faz necessário, como ameaçando ainda aumentá-la dos 11% regulamentares para 14% ou mais.

Essa gente mentirosa está precisando de um corretivo, que infelizmente as urnas não têm sabido dar.

 

(Texto publicado na quinta-feira, 16.2.17, no blog do jornalista Zé Beto)