Governos e governantes mal informados ou mal-intencionados – e não apenas o autodefinido “reformista” Michel – acham que pagar a Previdência aos trabalhadores é um ato de benevolência, generosidade, filantropia ou compaixão do Estado. Não é. É uma obrigação. É atendimento a direito conquistado pelo trabalhador, público e privado, ao longo de sua vida ativa, durante toda a qual contribuiu religiosamente para usufruir o benefício no final da vida. Só que, em lá chegando, deu de cara com a incúria, a incompetência, a desídia e a estupidez governamental.

É claro que há um rombo de caixa na Previdência, que tende a agravar-se com o passar do tempo; é também certo que o brasileiro passou a viver mais tempo e que esse fato requer certa adequação do sistema previdenciário, sob pena de inviabilizá-lo. Mas, com todo o respeito aos economistas e analistas bem-intencionados, o problema fulcral não é esse.

A questão está no mau gerenciamento dos fundos previdenciários, em administradores ineptos e irresponsáveis, que acham que podem suprir a sua inépcia e a sua irresponsabilidade aumentando as obrigações dos trabalhadores, ampliando o tempo e o valor de suas contribuições, e que são capazes de garantir o futuro suprimindo direitos legitimamente conquistados e tirando de quem já não tem mais o que nem porque dar.

O trabalhador, seja do serviço público ou da iniciativa privada, forma durante toda a sua atividade profissional um pecúlio que lhe dará direito, no futuro, à aposentadoria ou pensão. Quer dizer: aquilo que o trabalhador irá receber, a título de aposentadoria ou pensão, é dinheiro dele, que ele já pagou, entregou como contribuição à administração pública, e que lhe deverá ser revertido por força da lei.

O magnânimo Lula, em uma de suas inúmeras iniciativas estúpidas, houve por bem passar a cobrar previdência também dos aposentados e das pensionistas. Com que objetivo? Ah, sim, por solidariedade petista!… Resolveu o problema? É claro que não. Mas criou outros, como surrupiar perversamente de velhinhos e velhinhas migalhas financeiras que lhes estão fazendo falta na compra de comida e de remédios.

Todo mundo contribui para a Previdência desde o instante em que começa a trabalhar. Todo mundo, vírgula. Os governos não contribuem. Além de isentarem do pagamento um bando de malandraços, como entidades culturais, religiosas, esportivas, sindicais, recreativas e até comerciais – estas por contestarem a dívida na justiça e assim postergarem indefinidamente o pagamento –, não recolhem a parte patronal que lhe é devida. Fazem mais: arrecadam a contribuição feita por patrões e empregados, mas não as entregam ao fundo previdenciário. Deixam de fazer as suas contribuições e ainda consomem a feita pelos outros. Na área pública estadual do Paraná, essa prática já levou à bancarrota o velho IPE e está destruindo a atual ParanáPrevidência. Na Faculdade de Direito da vetusta UFPR aprendi que isso é crime.

O economista e professor universitário João Sayad, que já compôs a administração pública em vários patamares, resume a matéria com propriedade: o trabalhador, quando ingressa no serviço público ou tem a sua carteira de trabalho assinada, firma com o Estado ou com o INSS um contrato. Esse contrato, que lhe é imposto pelo Estado, reza que o sujeito deverá trabalhar assim e assado durante determinado tempo, ao cabo do qual terá direito a uma aposentadoria ou legará uma pensão ao cônjuge, a ser paga pelo Estado arrecadador. O trabalhador cumpre integralmente a sua parte. Mas quando chega a vez do Estado cumprir a dele, é isto aí.

Por tudo isso e um pouco mais, não se pode aceitar que o rombo da Previdência se deva a uma questão demográfica, com a multiplicação de despesas causada pelo envelhecimento da população. As pessoas estão vivendo mais, mas há mais gente trabalhando (e contribuindo com a Previdência). Se não há, cabe também ao governo explicar o porquê e tomar as devidas providências.

No introito de seu best-seller Homo Deus, Yuval Noah Harari registra que “no final do século XVIII, o filósofo britânico Jeremy Bentham declarou que o bem supremo é ‘a maior felicidade para o maior número de pessoas’. Ele concluiu que o único objetivo meritório do Estado, do mercado e da comunidade científica consistia em incrementar a felicidade global”. A partir do século XIX, até o atual XXI, o que predomina é a “felicidade do Estado”. Os países passaram a avaliar o sucesso “pelo tamanho de seu território, o aumento de sua população e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) – e não pela felicidade de seus cidadãos”.

O Brasil está inserido nesse contexto.

 

 

 

(Texto publicado na quinta-feira, 16.3.17, no blog do jornalista Zé Beto)

 

 

 

Célio Heitor Guimarães, assessor jurídico aposentado, é jornalista e advogado.