Kafka, em seu caráter enigmático e opiniático, vigia silenciosamente as areias da legitimidade do poder, numa busca incessante e inatingida, de um ethos universal racional, ético ou religioso, que viesse recobrir o vazio do locus de exceção e amalgamá-lo, definindo a alteridade endo-exógena identitária, no âmbito privado e público, sem o risco do “assassínio de sua própria alma”. Numa mistura extremamente complexa de sentimentos e de ideias, em que domina a nostalgia de um ser, conforme as forças da vida e formando aí uma frágil autonomia e questionável unidade com seu solo, sua língua, sua lei, Kafka, em verdadeiro artigo de fé que lhe corta o mundo judeu em dois, depara-se constantemente com obstáculos racionais intransponíveis na busca da própria identidade. A divisão da cultura iídiche, o território indefinido para os expatriados judeus do Oeste, o distanciamento da língua hebraica de outrora, a incoerência da lei, nas suas nuances paternal, patriarcal e estatal, desencadearam em Kafka a culpabilidade e a persecução, impossibilitando-o de construir um núcleo paradoxal identitário sólido, cuja busca incessante faz sintoma em seu trabalho literário, recalcando a palavra “judeu”.