Silvane Maria Marchesini: pesquisas abordam temas vinculados ao Direito e à Psicanálise (foto: reprodução)

 

As pesquisas acadêmicas de Silvane Marchesini estão embasadas na teoria dos discursos, de Jaques Lacan: “Discurso do mestre”, “Discurso do universitário”, Discurso da histérica”, “Discurso do psicanalista”. Trata-se de quatro fórmulas apresentadas para analisar a comunicação, o desenvolvimento dos discursos e da estruturação dos laços sociais na civilização ocidental. Através dessas fórmulas, Lacan explica as diferentes posições do sujeito em relação à verdade, a qual surge de modo sempre ativo na linguagem, conforme os diferentes discursos.

A pesquisadora demonstra que aproximar o “Discurso do psicanalista” ao “Discurso do direito” faz emergir questionamentos sobre forças inconscientes “reais, simbólicas e imaginárias” que certamente vêm influenciar a exegese e a interpretação jurídica contemporânea, como também já sustentado pelo jurista Chaim Perelman na sua “Teoria da argumentação”. Nessa complexa pesquisa transdisciplinar, Silvane Marchesini amplifica a noção de sujeito de direito, concebendo-o como “efeito de linguagem”, como efeito do que se denomina, na Psicanálise, de “metáfora do nome-do-pai”. Portanto, num novo estilo de significante de Direito que considera a influência da lógica do inconsciente sobre a “razão prática”, ampliando a crítica ao sujeito da metafísica, a autora analisa os efeitos sobre a subjetividade das novas inversões discursivas e de valores.

Observa que a influência das singularidades inconscientes de cada sujeito – em decorrência da “lógica edípica” – sobre a “razão prática” e argumentação discursiva tem como consequência a impossibilidade de julgamento científico e jurídico “absoluto”. Ou seja, observa quais as possibilidades de um “julgamento razoável”, pessoal ou científico, face a influências inconscientes subjetivas que aparecem na retórica. A autora explica em sua obra que a retórica é vivificada pelos níveis inconscientes da linguagem e é, portanto, viva. E, assim sendo, a lei jurídica, vista como discurso, se produz como “instância simbólica” da humanidade.

Toda retórica, mesmo a jurídica, sofre influências da lei psíquica inconsciente/consciente determinante de cada sujeito envolvido no discurso. Assim, nesse processo “psíquico-somático linguístico” (Pierre Legendre), à medida que o superego social se transforma devido a múltiplos fatores socioculturais, ocorrem mutações também no superego individual no transcurso transgeracional. O superego, instância inconsciente julgadora de nossos atos e omissões, se constitui de introjeções dos “interditos fundamentais de humanização”, e está relacionado à autoridade hierárquica paterna e à educação.

Segundo o jurista e psicanalista francês Pierre Legendre, primeiro a construir uma obra jus-psicanalítica, o Direito é uma escala institucional da humanidade que “institui vida”. O Discurso do Direito se prende à proteção da vida e de seus valores inerentes. Porém, o Direito perde sua força instituidora à medida que se desvincula da referência absoluta, Deus, perdendo igualmente sua legitimidade para transmitir, na sequência de gerações, o “interdito”, ou seja, o limite entre o ilícito/lícito.

A pesquisadora compila em seus livros os principais conceitos e constatações advindos da clínica psicanalítica, transportando importantes informações ao campo do Direito com o objeto de transmitir aos profissionais conhecimentos indispensáveis na atualidade para trabalharem com casuísticas jurídicas complexas, principalmente com questões alusivas aos novos “direito de início e fim de vida”, como as questões decorrentes das atuais práticas de “procriação médica assistida”, “gestação por mãe portadora”, “suicídio assistido medicamente”, “homoparentalidade e adoção de crianças’.

Perguntas cruciais e incomuns conduzem as pesquisas científicas da autora quanto ao “direito de se ter criança fora da sexualidade”, cujo paradoxo vem sublinhar a complexidade das reflexões que se colocam, atualmente, após o progresso das tecnologias medicais que separaram o ato sexual da procriação, e o “ato do desejo” da criação de uma nova vida humana que passa a ser laboratorial. O que está no coração das questões fundamentais que Silvane Marchesini coloca para a pós-modernidade, em situando o debate, é a questão da origem, de onde viemos e para onde iremos.