Foto publicada no portal WWF: tartaruga verde (chelonia mydas) com um saco de plástico perto da boca, no recife de Moore, Austrália (a sacola foi removida pelo fotógrafo antes que a tartaruga tivesse a chance de comê-la)

 

Você tá descendo uma pirambeira numa mobilete, sem freio, em direção a um abismo. Aí chega um pessoal e propõe “Vamos botar uma turbina nessa joça!”. É mais ou menos o que tá rolando com a Inteligência Artificial. O mundo tá virado pro lado errado: aumentar a eficiência no percurso só vai nos fazer despencar mais rápido.

Vai vendo: na revista New Yorker tem uma matéria apavorante sobre plástico e microplásticos. Entre a Califórnia e o Havaí surgiu um lixão flutuante com 1,6 milhão de quilômetros quadrados. Uma ilha gigante, maior que o estado do Amazonas, feita de garrafas PET, sacolas de supermercado, potinhos de iogurte, embalagens de miojo, enfim, esses itens realmente essenciais para a subsistência do Homo sapiens.

Saindo do macro e indo pro micro –plástico. O microplástico é um problema sério. Com a passagem do tempo, todos esses cacarecos vão esfarelando, aí a gente os come e os respira, trazendo pro corpo um monte de substâncias cancerígenas. Acharam microplástico no Ártico, na placenta, no leite materno e no mecônio (aquele primeiro cocô do bebê). O atrito dos pneus com o solo faz com que trilhões de partículas sejam lançadas ao ar, todo dia, toda hora. Até as roupas sintéticas que a gente usa (e hoje quase todas são) soltam micro fiapos que acabam indo agasalhar nossos alvéolos.

Vai vendo: na Piauí deste mês tem uma matéria excelente da Consuelo Dieguez sobre a falência das Lojas Americanas. Ou, mais especificamente, sobre o modus operandi dos três empresários que, por décadas, posaram de exemplos do empreendedorismo e da “meritocracia” no Brasil. Segundo a matéria, Lemann, Telles e Sicupira subiram na vida pisando na cabeça dos outros. Compravam empresas, demitiam geral, diminuíam os salários e aumentavam os bônus por resultados. A consequência era uma guerra de todos contra todos que, não raro, ia dar em chute no saco e dedo no olho, i.e., na ilegalidade. Para turbinarem seus números, as empresas do trio achacavam fornecedores e atrasavam pagamentos, davam calotes e fraudavam os resultados. Tony Soprano ficaria orgulhoso. O fato de o Brasil ter feito vista grossa por décadas para esse capitalismo demente mostra o tamanho do buraco em que estamos.

Ouvi uma reportagem na CBN: duzentos refugiados afegãos estavam, fazia meses, presos no aeroporto de Guarulhos. Sem banho. Ficavam imundos, até que alguns voluntários os levassem para se limpar num hotel ali por perto. Houve um surto de sarna. Acabei de dar uma olhada na Amazon: um chuveiro portátil de camping sai por R$ 65,00. Ou seja, com R$ 650,00 você compra dez desses e resolve uma questão humanitária, de saúde pública e de respeito aos direitos humanos.

Eu não fiz uma pesquisa para esta crônica. Estou falando só de notícias que caíram no meu colo. Chegaram por baixo da porta, pelo meu iPad, pelo rádio do carro. O mundo tá muito errado e não precisamos do ChatGPT para resolver nossos problemas. Qualquer vovó interiorana sabe o que deve ser feito. Mas em vez de botarmos a mão na consciência, preferimos acelerar a mobilete ladeira abaixo. A inteligência artificial não vai ser usada para acabar com a miséria ou para alfabetizar as crianças brasileiras, mas para encontrar formas mais eficientes de produzir mais embalagem de miojo para aumentar a ilha de plástico no norte do Pacífico – demitindo o maior número de pessoas possível.