O STF declarou inconstitucional a lei de Rondônia que proíbe a linguagem neutra nas escolas. Segundo a Corte, de modo acertado, a lei viola a competência da União para editar diretrizes da educação. A linguagem neutra visa a adaptar o português para incluir pessoas não binárias –que não se identificam como mulheres ou homens e que, segundo a Nature, constituem apenas 1,2% da população no Brasil e 2% no mundo. Adjetivos como “bonito” e “bonita” viram “bonite” ou “bonitx”, e, além de “ele” e “ela”, acrescenta-se o “elu”. Essa demanda do movimento LGBTQIA+ considera a língua como manifestação simbólica de opressões sociais. A língua segrega e ofende.

Mas tal visão apriorística desconsidera os contextos de interação na produção de sentido. A mera expressão “Bom dia a todos” não me agride como mulher, já que o masculino no português é genérico. A língua não gira em torno dos indivíduos. É a história secular de uma sociedade, que foi construída com o trabalho criativo de escritores e de manifestações populares. Toda língua muda, sim, mas lentamente e não a partir de imposições de desejos de grupos ou do Estado. Caso contrário, estimula-se ainda mais preconceito, como acusar de homofobia quem não sabe usar o gênero com o qual o outro se identifica.

Ademais, tal mudança não é unanimidade entre especialistas. Como a neutralidade é estranha às línguas neolatinas, alterações nesse sentido causam impacto em toda cadeia terminológica –similar a uma engrenagem que entra em pane sem um parafuso. Alterar regras de gênero é como alterar formação do plural e conjugação dos verbos. Mais do que resolver problemas sociais, o objetivo de uma língua é facilitar o fluxo cognitivo e comunicativo. Num país em que cerca de 70% dos jovens não sabem interpretar textos, a demanda pela linguagem neutra soa um tanto elitista. Talvez investir no ensino da língua portuguesa, que permite acesso ao conhecimento, seja uma medida mais eficaz e abrangente contra preconceitos.

 

(Na versão original – FSP: O sexo das palavras)