Enfim, a imprensa passou a apontar os malefícios das apostas esportivas online. Em texto assinado na Folha de S. Paulo, Bianca Santana, doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista, afirma que está na hora de deixarmos de tratar as bets como fonte de receita ou entretenimento. Na verdade (e só não vê quem não quer), as tais apostas esportivas, hoje presentes nos estádios, nos uniformes dos jogadores e nos intervalos comerciais das emissoras de rádio e televisão, são a mais recente desgraça mundial. São o novo bingo do século XXI, só que com efeitos bem mais perversos. As bets têm tido consequências significativas na saúde mental, financeira e social das pessoas, especialmente entre os jovens. O vício pode levar a dívidas, problemas familiares, isolamento social e ao aumento do risco de depressão, ansiedade e suicídio. Aqui mesmo no [blog do] Zé Beto, há um texto do jornalista Leonardo Bessa, dependente em apostas esportivas em tratamento, que merece ser lido.
Os Estados Unidos são o país líder das apostas online. A Suprema Corte assentou que cada estado deve decidir sobre a legalização ou não da prática. Trinta e oito autorizaram. Pois Bianca Santana registra que pesquisadores da Universidade da Califórnia, depois de analisarem dados de 7 milhões de americanos, constataram que, nos estados em que as apostas são legalizadas, houve uma piora considerável na saúde financeira da população: “a pontuação de crédito caiu, os índices de inadimplência cresceram, o acesso a crédito diminuiu”.
Na Alemanha – expõe a jornalista –, uma coalizão de centros de pesquisa e universidades também alerta para os riscos das bets: “O Atlas dos Jogos de Azar mostrou que 29,7% dos apostadores apresentaram algum grau de dependência”. Não obstante, 17 dos 18 clubes de futebol da Bundesliga são patrocinados por casas de apostas. Já na Argentina, pesquisa realizada com mais de 7.000 adolescentes e jovens de 15 a 20 anos revelou que 22% já apostaram online. Um quarto usou dinheiro destinado à alimentação, transporte e estudo. Tudo graças a campanhas publicitárias constantes, através de sofisticada tecnologia e atraentes oferecimentos.
Bélgica, Itália, Espanha e Reino Unido têm adotado medidas desde a proibição completa da publicidade e do patrocínio esportivo até restrições de horários e do uso de cartão de crédito para apostas. Aqui no Brasil, que já é o terceiro maior mercado do mundo, é aquela farra. As apostas foram legalizadas em 2018 e regulamentadas (!) em 2025, mas, desde então, correm soltas. Houve uma restrição de propaganda de bets aprovada no Senado. Mas, que, ao que parece, não resultou em nada. Isto é, resultou em danos crescentes, sem nenhum controle efetivo. Aliás, leu-se também aqui no Zé Beto que, no primeiro trimestre deste ano os brasileiros gastaram entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões em apostas online, usando a renda principal para a jogatina.
Em Santa Catarina, um estudante de medicina da UFSC, forjou o seu próprio sequestro para pagar uma dívida de jogos eletrônicos. Disse que estava sendo mantido refém por assaltantes, que exigiam o valor de R$ 40 mil para libertá-lo. Foi preso pela Polícia Civil, na cidade de Araranguá, dirigindo o próprio veículo. Confessou a farsa e alegou estar com débitos em plataforma de jogos eletrônicos. Pior aconteceu em Porto Alegre, RS. A médica Gabrielle Foppa atendeu um caso complicado durante a residência em psiquiatria forense na UFRS. Um homem de apenas 28 anos havia tomado uma overdose de medicamentos a fim de tirar a própria vida. Ele era usuário de álcool e cocaína e apresentava traços de personalidade antissocial, marcado pelo descaso com as consequências de seus atos. A tentativa de suicídio havia sido uma atitude impulsiva, motivada pela impossibilidade de pagar uma dívida contraída em apostas esportivas online. Incentivado pela própria mãe (!), ele passou a apostar repetidamente e, em pouco tempo, acumulou um débito superior a R$ 10 mil.
Não foi uma situação isolada. Segundo os especialistas, pensar em tirar a própria vida é duas a três vezes mais comum entre as pessoas que desenvolvem uma relação problemática com o jogo do que entre o restante da população. Revisando dados de 4,6 milhões de pessoas, pesquisadores da Noruega e do Reino Unido concluíram que um em cada três apostadores perdedores pensa ao menos uma vez em se matar e um em cada oito realiza uma tentativa.
Agora, o absurdo que nos cerca: no Brasil, a tributação das bets tem sido citada por membros do governo como possível medida para equilibrar as contas públicas. Pobres diabos, não sabem o que dizem nem o que fazem! Como bem esclareceu a Bianca Santana, as amaldiçoadas bets não se prestam como fonte de receita e não têm nada de entretenimento. Só servem para semear vítimas por onde passam.
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Célio Heitor Guimarães é jornalista e consultor jurídico aposentado.