Na lista dos maiores brasileiros de todos os tempos, um nome não pode faltar: Sebastião Salgado. Mais do que um fotógrafo – dos maiores do mundo –, Sebastião era um humanista que amava este planeta, a sua natureza, a sua gente e, sobretudo, os seus animais. Aliás, depois de conviver mais de quatro décadas com os animais, concluiu que os bichos não têm nada de irracionais. Estava convencido de que eles são tão racionais quanto nós, os chamados humanos. Se não mais.

Sebastião garantia que os animais temem e atacam os humanos porque sabem que somos maus. E afirma que para convivermos com eles precisamos apenas aprender a conhecê-los e a eles demonstrar que também podemos ser, apesar de tudo, pacíficos e inofensivos. Contou ao jornalista Roberto D’Avila que somente conseguiu fotografar de perto uma tartaruga gigantesca de Galápagos quando passou a rastejar como ela e em torno dela, dias a fio. O mesmo aconteceu com os crocodilos. Usando o mesmo método, com paciência e coragem, logrou aproximar-se de um bando de répteis, que não apenas consentiram com a aproximação como – jura – riram dele. E posaram com tranquilidade profissional.

Sebastião Ribeiro Salgado Júnior, que nos deixou na sexta-feira 23/5, aos 81 anos de idade, era um sujeito extraordinário. Não apenas porque dedicou a vida correndo o mundo para registrar, em imagens de qualidade inigualável, na grandeza do preto-e-branco e sempre com a maior dignidade, o planeta Terra e as múltiplas facetas da vida sobre ele, sejam elas alegres, tristes, chocantes ou comoventes. Sebastião era um brasileiro que orgulhava o Brasil. Mais: era uma pessoa que honrava o ser humano.

Não obstante, era um homem de uma simplicidade e de uma autenticidade desconcertantes. Nasceu (em 1944) em Aimorés, no Vale do Rio Doce, Minas Gerais, e apesar de ser hoje um cidadão do mundo, nunca perdeu o jeitinho mineiro. Falava manso e sabia o que dizia. Formou-se em economia, mas acabou fotógrafo e fez da fotografia a sua vida. Garantia que para tirar boas fotos é preciso ser paciente e sentir muito prazer. Já trabalhou para as maiores agências do mundo e recebeu os maiores prêmios concedidos ao fotojornalismo, mas a sua grande obra está reunida em publicações, como Trabalhadores (1996), Terra (1997), Serra Pelada (1999), Outras Américas (1999), Êxodos (2000), Retratos (2000), África (2007), Gênesis (2013), Perfume de Sonho (2015), Crianças (2016) e Amazônia Cultura e Tradições (2021).

Sebastião amava a África tanto quanto o Brasil. Lá viu de muito perto pobreza, sofrimento, tragédia, ódio e violência. Nada pôde fazer. Era apenas um fotógrafo. Mas fez o registro. Achava que era a sua obrigação e que o mundo todo devia saber o que acontecia ali, ainda que soubesse que nenhuma foto, sozinha, pode mudar o que quer que seja na pobreza do mundo. No entanto, assegurava que não trabalhava com a miséria, mas com as pessoas mais pobres, pois elas são ricas em dignidade e buscam, de forma criativa, uma vida melhor. “Quero com isso provocar um debate” – destacava.

Foi na África de 1994, na época do grande genocídio de Ruanda, às margens do rio que separa o país da Tanzânia, que Sebastião quase foi morto. De repente, ele se viu cercado por guerrilheiros tutsis armados de enormes facões. O guia que acompanhava o fotógrafo empalideceu. Ao indagar dele o que ocorria, recebeu uma resposta que o gelou: “Eles estão achando que você é francês e aliado da facção hutu. Vão executá-lo”. Os hutus eram inimigos de morte dos tutsis. Sebastião agiu rápido: retirou do bolso o passaporte brasileiro e anunciou que era “do Brasil, da terra de Pelé”. Bastou os combatentes ouvirem o nome de Pelé para que a cena se modificasse. A descontração foi imediata e a ameaça se transformou em congraçamento. Talvez Pelé tenha demorado a saber, mas Sebastião Salgado fazia questão de contar que ele lhe salvou a vida. No coração da velha África.

Foi também na África que ele contraiu, em 2010, a Malária, que gerou uma leucemia grave, que o levaria à morte.

No Brasil, Sebastião teve uma missão diferente. Herdou dos pais um pedaço de terra no interior de Minas e, com a ajuda de Lélia, sua mulher, resolveu transformá-lo no primeiro parque nacional em terras completamente degradadas. Rearborizou tudo com espécies da flora nativa. Foi mais uma de suas utopias, que levou adiante. Ali criou o seu Instituto Terra, que tem um viveiro com capacidade para um milhão de plantas por ano, das mais diversas espécies, e que fornece mudas para os programas ecológicos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Faz mais: oferece orientação a guardas florestais, agricultores e prefeitos. E acolhe crianças de escolas da região, procurando sensibilizá-las, desde pequenas, para o problema do desmatamento.

A história pessoal de Sebastião Salgado é muito bonita. Mas ainda, de certa forma, desconhecida do público brasileiro. A jornalista francesa Isabelle Francq resolveu fazê-lo falar através da escrita dela. O resultado está em um pequeno volume, em descompasso com a grandeza do personagem: Sebastião Salgado – Da minha terra à Terra, edição nacional do original francês da Editora Paralela, presente nas boas livrarias e que recomendo com entusiasmo.

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Célio Heitor Guimarães é escritor, advogado e consultor jurídico aposentado.