Sou homem das ruas
sem vida, sem cores,
amargas e nuas,
sou parte de um tempo
de poucos amores.
Nas tábuas, nos muros,
no céu inseguro,
me faço de artista,
me viro do avesso
e compro o meu dia.
Sou homem de um povo
de poucas palavras,
de faces cansadas,
de corpos doentes.
Acordo na noite,
levanto sem dono
caminho na chuva
– eu me entrego ao medo,
me perco nas filas,
sem voz ou querer,
e acabo no escuro,
num quarto vazio,
sedento de amor.
Sou homem de um povo
de loucas batalhas,
de frases medidas,
de copos carentes.
Sou filho da terra,
sou feito de pedra,
não sei mais plantar,
perdi a enxada,
deixei minha casa
por este lugar.
Não trago nos olhos
as marcas da dor,
mas zombo da fome
e brinco nos bares,
eu sou sonhador
– me sinto tão grande,
me faço de herói,
sou forte guerreiro,
um conquistador.
Sou homem de um povo
de sonhos desfeitos,
de olhares sombrios,
de um triste cantar.
[1980]
Ao 1º de Maio, Dia do Trabalhador.