Com a morte do papa Francisco, no dia 21 de abril, a Igreja Católica perdeu o seu líder maior, e o mundo, uma extraordinária figura humana. Desde a escolha do nome, em homenagem ao santo padroeiro dos pobres, Francisco caracterizou o seu pontificado pela simplicidade e humanidade.

Em doze anos à frente da Santa Sé, o argentino Jorge Mario Bergoglio revolucionou a Igreja Católica, aproximando-a do povo, preocupando-se com os pobres, pregando a misericórdia divina, chegando, até, a alterar conceitos e dogmas milenares, especialmente aqueles relacionados à disciplina eclesiástica, como casos de abuso sexual, homossexualidade e divórcio.

Fez mais: deu maior visibilidade internacional à Igreja, tornando-a mais inclusiva e desenvolvendo um inédito diálogo inter-religioso. Não por acaso, era respeitado por evangélicos, judeus, islâmicos, hindus, budistas, espíritas e umbandistas.

Segundo Francisco, era “hora de a Igreja se abrir mais ao mundo, para não correr o risco de ficar fechada em si mesma”. “Se a Igreja permanecer fechada em si mesma, ela envelhece”. “Se não processarmos Jesus Cristo, se não difundirmos a palavra de Jesus pelo mundo, nos tornaremos uma ONG beneficente, mas não uma Igreja”.

Mais tarde, ficou-se sabendo que Francisco não trazia apenas a palavra de Cristo, mas afirmações de uma Igreja em fase de pré-reconstrução, que dá força aos jovens, pede respeito aos velhos, preocupa-se com os pobres e excluídos, combate a desigualdade, a ambição e a corrupção, critica o racismo e é capaz de apontar a “incoerência”, a “omissão” e a “falta de humildade” da própria instituição milenar, tão cheia de pompa, dogmas e egoísmo, mas incapaz de se aproximar do povo.

Vale lembrar que, tão logo se tornou Francisco, Jorge Mario já “chutou o balde”. Arredou o luxo e a pompa do anúncio de sua eleição. Recusou a tradicional capa vermelha decorada com pele, que tanto agradava o antecessor Bento XVI, e surgiu na sacada da Basílica de São Pedro com traje de simplicidade franciscana. Prescindiu também do crucifixo de ouro, símbolo da ostentação e riqueza do Vaticano, preferindo manter no peito o seu antigo crucifixo de ferro.

No dia seguinte, em um veículo comum, foi buscar os seus pertences no hotel dos clérigos onde ficara hospedado durante o conclave e fez questão de pagar a conta do próprio bolso.

Quando foi levado a conhecer os aposentos do papa no Palácio Apostólico, levou um susto. “Meu Deus, há espaço aqui para umas 300 pessoas. Eu não preciso disso tudo” – teria exclamado Sua Santidade. Preferiu usar um quarto na Casa Santa Marta, ao lado de padres e bispos que trabalham no Vaticano.

Na primeira viagem internacional como papa, em meados de 2013, Francisco esteve no Brasil. A chegada no Rio foi marcada por trapalhada da organização, que engarrafou o Fiat do pontífice na avenida Getúlio Vargas. Mas ele achou ótimo. Pôde achegar-se mais perto da população. E fez questão de manter aberta a janela do carro, assim como mandou tirar os vidros laterais do papamóvel. “Como eu poderia usar um carro fechado ou cercado de vidros se vim aqui para me aproximar do povo?” – teria justificado, com candura. E se aproximar das pessoas foi o que ele mais fez. Cumprimentou-as, abraçou-as e beijou-as. Coisas que nunca aconteceram antes e até são proibidas pelo protocolo do Vaticano. Mas Francisco recebeu e distribuiu carinho. Até goles de chimarrão aceitou tomar em plena via pública, servido por desconhecidos, deixando a segurança em pânico.

Se havia alguém capaz de sacudir a Igreja Católica, esse alguém era o argentino Bergoglio. E ele o fez. A começar pelo próprio exemplo. Com sua voz macia, foi capaz de apontar os pecados e os crimes da Cúria Romana, chamar à razão padres, bispos e cardeais que se encantam com o poder, com luxo e grifes, mas se afastam das ruas e dos necessitados; e exortar os jovens a se tornarem “re-vo-lu-cio-ná-ri-os”.

O papa Francisco fará muita falta. Não apenas ao Vaticano, mas ao mundo todo, marcado, atualmente pela intolerância, ganância e violência. Que Deus o tenha recebido com carinho.

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Célio Heitor Guimarães é jornalista e consultor jurídico aposentado.